26/12/2005 :: O potencial transformador da educação

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2005-12-26

O potencial transformador da educação

Introdução

Um dos principais desafios que se apresentam aos professores dos nossos dias é o de tornar o aprendizado um processo vivo e interessante para os alunos. As últimas décadas do século passado assistiram ao gradual esgotamento dos paradigmas pedagógicos que se fundamentavam nos pilares da exposição fria e dos papéis estanques exercidos por professores e alunos. No papel de educadores, nos deparamos cotidianamente com questões importantes de ordem metodológica e política em sala de aula: se por um lado somos plenamente capazes de propor um ensino mais participativo, por outro nos deparamos com expectativas de um aprendizado fundamentado na hierarquia e na unilateralidade.

Professores e alunos, em muitos momentos, se alimentam de uma fórmula educacional absolutamente enraizada em nossa cultura: a do conhecimento dado, e não construído. É preciso que saibamos ensinar e, principalmente, que saibamos ensinar a aprender. E esse processo envolve motivação do professor e do aluno.

A discussão sobre qual a prática a ser adotada no processo da educação formal é complexa, sutil e multifacetada. Maslow (1968) chama a atenção para o fato de ainda não ter sido descoberto nenhum método objetivo de aferição de resultados que leve em consideração desejos, carências ou anseios em seus componentes informacionais subjetivos. Em outras palavras, ainda não foi encontrada uma boa definição comportamental de motivação, segundo Paulo Motta (1999).

Assim, sugerimos aqui a discussão de algumas questões: o problema está no método ou na formação do aluno? A questão está na prática ou na motivação do professor? Na reflexão sobre a tríade professor, aluno e prática, buscamos acima de tudo encontrar o método mais adequado para promover o desenvolvimento intelectual, o conhecimento e a formação de indivíduos socialmente capazes.

Justificativa

O salto pedagógico que queremos é aquele venha ao encontro dos anseios da sociedade civil, que busca um sistema educacional que promova a inclusão social; que descarte a uniformidade e privilegie a diversificação, instigando as diversas inteligências humanas; que auxilie a formação de uma mentalidade científica e investigativa e que também dê suporte à inserção do indivíduo no mercado de trabalho. Para tanto, é preciso considerar seriamente a substituição da rigidez pela maleabilidade, do fechamento pela abertura e do olhar único pelo olhar plural.

Mas como é possível ensinar conteúdos tão fortemente enquadrados pela tradição em fórmulas e métodos? Como relacionar conhecimento e experiência ou vivência, no sentido que Walter Benjamin propõe? Podemos pensar em um bom exemplo do potencial transformador da educação a partir da narrativa ficcional do filme Sociedade dos poetas mortos (1989), em que um grupo de alunos tem a vida inteiramente transformada por um professor inovador que tem a audácia de lhes apresentar o conhecimento como algo real, palpável, transformador e pleno de sentido. É um exemplo da eficácia de um método.

É preciso, no entanto, ter em vista que a melhor técnica pedagógica será sempre aquela que conduz ao nosso objetivo. E em vez de questionarmos somente a técnica, podemos questionar fundamentalmente os objetivos da prática pedagógica - como nos mostra o filme -, pois a educação é, na essência, algo político, e não apenas técnico.

Desenvolvimento

As propostas educacionais que apresentem o conhecimento como um conteúdo pronto, cristalizado e, sob certo aspecto, já morto, têm chance muito maior de sufocar no aluno a sua chama de curiosidade e de construção de um saber vivo e pulsante. E mais do que isso: num ambiente como esse, acabamos por desensinar o processo de ensino, capaz de promover revoluções constantes na sociedade e na cultura. Quem não participa de uma dinâmica de aprendizado que privilegia o saber continuado, pode não ser capaz de multiplicar e dividir seu conhecimento com os demais. Paulo Freire nos diz que os alunos são ?seres programados para aprender e que necessitam do amanhã como o peixe da água, mulheres e homens se tornam seres roubados se se-lhes nega a condição de partícipes da produção do amanhã?. (Freire, 2001: 85).

A teoria construtivista foi pródiga ao nos ressaltar que a aprendizagem se configura como um processo de construção e reconstrução do conhecimento, que é algo aberto, circunstancial e, portanto, mutável. O exercício da docência deve ser pautado por interrogações e não somente por respostas. Aprender pressupõe questionar. Se o próprio professor não consegue manter acesa dentro de si a chama da dúvida, como esperar esse comportamento dos alunos? O professor John Keating (Robin Williams) questiona e se auto-questiona o tempo inteiro.

A metáfora dos poetas mortos é aí extremamente eficaz: o mestre é capaz de mostrar àqueles jovens rapazes o quão próximos deles são os corações e mentes dos antigos amantes da literatura; o quão viva e atual é uma verdadeira tradição, desde que despida de seu invólucro conservador já desgastado.

O professor Keating é capaz de, com rara habilidade, transpor o falso abismo que separa a vida prática do conteúdo da educação. Sua postura não é a da mera negação cega da tradição, mas sim a do desmonte de uma casca formal vazia e estéril, num processo que é, antes de tudo, um resgate do saber legado pelos antigos. A quebra de um paradigma, o do método de ensino, acaba por se reproduzir e ter reflexos na vida pessoal de cada aluno.

As estratégias de motivação utilizadas pelo professor da Welton Academy foram válidas no sentido de propiciar liberdade de expressão de sentimentos, onde as percepções de mundo pudessem ser compartilhadas e as histórias pessoais moldadas de acordo com a própria consciência ? não apenas por convenções sociais. Numa das cenas mais interessantes do filme, e que sintetiza perfeitamente esta idéia, o professor Keating manda que os alunos arranquem de seus livros uma página tecnicista que tenta reduzir a poesia a uma mensuração objetiva e sistemática, enquadrando-a no olhar ?analítico? e conforme o costume sacramentado.

Uma ordem tão inusitada acaba causando, como era de se esperar, grande espanto entre os alunos, o que configura um excelente exemplo de como um pequeno ?choque? de inovação pode instigá-los a acordar para o processo de construção do conhecimento. Em outros momentos, entretanto, ele demonstra saber perfeitamente distinguir a inteligente inovação da mera insubordinação pueril. Atitude semelhante teve ao atender um telefone, durante uma reunião extremamente formal, dizendo que era Deus do outro lado da linha. O mestre aproveita essas situações para estabelecer a diferença entre o que ele ensinava e o que os alunos queriam fazer dos ensinamentos dele.

Qualquer que seja a técnica, esta deve criar valor, propiciando, como ressalta Luckesi (1999), a assimilação receptiva. Ou seja, a recepção atenta e inteligível que o educando faz de um conhecimento, de um princípio, de um processo, de uma análise elaborada e que, a partir daí, cria sua própria história e detém responsabilidade pelo uso do conhecimento.

O saber que se apresenta como uma estruturação abstrata não tem poder de sedução e, portanto, não desperta interesse. Trata-se também de derrubar as barreiras entre o mundo formal acadêmico e a realidade dos estudantes, mostrando-lhes como o "saber elaborado" pode se mostrar vivo e fascinante. Carpe diem, aprendem eles com o mestre, é a atualização e a apropriação real do saber na sua vida cotidiana. E justamente de um saber em construção, que abre espaço para contribuições individuais, singulares. Aproveitem o dia não era apenas uma frase de efeito, mas significava a mudança de um modelo mental. A partir de tão simples expressão foi possível criar novas realidades, impulsionados pela vontade e pelo desejo pessoal de mudança.

Parece razoável a proposta de Demo (2000), quando afirma que aprender é a competência de desenhar o destino próprio, de inventar um sujeito crítico e criativo, dentro das circunstâncias dadas e sempre com sentido solidário. Por outro lado, as exigências de uma sociedade pautada no uso da informação e da tecnologia também contribuem para demandar a adoção de novas práticas na Escola.

Conclusão

Aprender não é, de modo nenhum, manejar certezas, mas trabalhar as incertezas com inteligência. Adotar as práticas experimentais resultantes de novos paradigmas na educação parece-nos, sem dúvida, o melhor caminho. E os objetivos da atividade educacional nortearão a escolha do método a ser utilizado. Precisamos, portanto, cada vez mais, aprofundar a reflexão sobre o que esperamos obter como resultado de nossa prática pedagógica.

Nos processos de ensino e aprendizado, é preciso pensar sobre as novas e velhas fórmulas de apresentar e construir novos e antigos saberes. É preciso experimentar na transmissão do conhecimento e inovar, ?mas é igualmente indispensável a enxadada cautelosa e tateante na terra escura. E se ilude, privando-se do melhor, quem só faz o inventário dos achados e não sabe assinalar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho?, conclui Walter Benjamin (1987: 239). Tradição e inovação não se excluem mutuamente, mas dialogam. E é dever do professor promover incansavelmente tal diálogo, em busca de uma educação mais cheia de sentido e entusiasmo. Docência pressupõe doação. Doação de atenção, argumentos, questionamentos, emoção... Doação da melhor técnica. Doação de propósitos.

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