26/04/2010 :: O paralelepípedo cor de rosa

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2010-04-26

O paralelepípedo cor de rosa

O PARALELEPÍPEDO COR DE ROSA

Carlos Ney Esteves

“Nossa, como você está grandinho! O quê que você vai ser quando crescer?”

Quando eu era criança, se tivesse ganhado um real por cada vez que ouvi essa pergunta, e se tivesse colocado esse dinheiro numa caderneta de poupança, nessa altura do campeonato eu não precisaria ser nada, pois já estaria milionário.

Essa pergunta já estava se tornando tão irritante, já incomodava tanto, que resolvi dizer a todos que me perguntavam, que eu queria ser um paralelepípedo cor de rosa. Como ninguém estava disposto a discutir comigo quais as vantagens de ser um paralelepípedo, ainda mais cor de rosa, nem como iria me sustentar com essa profissão, acharam melhor não perguntar mais e, assim, fiquei livre de uma pergunta tão cretina.

Cretina para uma criança, é lógico, que na primeira infância não estava nem um pouco interessada em ser alguma coisa no futuro. Naquela idade eu estava querendo simplesmente ser, e pronto.

Assim como eu, você também já deve ter ouvido essa pergunta muitas vezes. Talvez não lhe tenha ocorrido dar a mesma resposta, mas, como sugestão, fica a “dica”. Se algum dia você tiver uma crise de “adultite” e perguntar ao seu filho o que ele quer ser quando crescer, e se ele disser que quer ser um paralelepípedo cor de rosa, a tradução para a resposta é a seguinte: “ Não me enche o saco”!

Tá chegando a hora!

A questão da carreira a ser escolhida começa a ter alguma importância quando estamos concluindo o ensino médio. Até aí, a profissão a ser seguida não é um assunto com a qual estamos tão preocupados ainda. Quando chegamos lá pelo segundo...terceiro ano do ensino médio a necessidade de se definir por uma carreira começa como um leve comichão quando vemos alguns de nossos amigos ou parentes fazendo vestibular para isso ou aquilo e ficamos matutando: “É, daqui a pouco sou eu e eu ainda não sei o que vou fazer!” E aí, meu amigo, quando entramos no segundo semestre do terceiro ano do ensino médio, o comichão começa a se transformar numa terrível coceira, e haja hipoglós!

Se aquela gatinha da sala vai fazer arquitetura, você sente no “fundo da alma” que sempre quis ser arquiteto desde criancinha! Ou se o gatinho bonitão vai ser médico, você acha que sempre ficou muito bem de branco e que como médica, vai “arrasar”. Se o papai é engenheiro, você admite que, apesar de toda sua vocação para arquiteto (!) você não deixa de ter uma quedinha para a engenharia também. Se o titio é advogado e ganha uma fortuna, dá palestras, aparece na televisão, é o orgulho da família, você concorda que advocacia não deixa de ser uma boa opção também, “afinal de contas, arquiteto, engenheiro e médico tem aos montes no mercado”. E por aí vai. Para cada lado que olhar, verá pessoas com profissões diferentes, status sociais diferentes e em cada uma delas você encontrará atrativos, vantagens e benefícios que seriam bem vindos em sua vida.

Ouvir o coração

Levar em consideração a profissão de outros, como referência para a sua escolha, é muito importante também, mas não deve ser o seu único critério.

Além dos sinais e evidências que você pode buscar do lado de fora, existe uma outra direção que deve ser levada em consideração também. Volte-se para dentro de você mesmo, procure ouvir a voz do seu coração e dê atenção a essa voz, dê prioridade e consideração aos seus sentimentos.

A princípio pode parecer um pouco esquisito esse negócio de ouvir a voz do coração, complicado demais para o seu gosto. Mas não é não, é muito mais simples do que você pensa.

Ouvir a voz do coração nada mais é do que perceber aquilo que você ,realmente, gosta, sem julgamentos ou preconceito de sua parte e acreditar no que está sentindo. Não passa pela cabeça. Quando você gosta do João ou da Maria, você simplesmente gosta. Não tem mistério, você não fica pensando nos prós ou contras de gostar ou não (se é um sentimento verdadeiro!), se é conveniente ou não gostar de fulano ou sicrano; você gosta, e fim de papo. O que tem de complicado nisso? A voz do coração não tem motivos racionais. Quantas vezes você já deve ter ouvido alguém lhe perguntar: “Como é que você pode gostar tanto daquele sujeito?” Não tem como explicar, você gosta e nem está muito preocupado também em ficar dando explicações. É isso.

Ruído I

O que torna esse critério aparentemente nebuloso, não é o critério em si, mas o acesso a ele. Para chegar até o nosso coração e ouvir a voz que vem lá de dentro, alguns ruídos precisam ser eliminados, caso contrário você não vai conseguir ouvir nada.

O primeiro deles chama-se racionalização. É uma estratégia que costumamos usar, às vezes conscientemente, mas, na maioria das vezes, inconscientemente: O nosso coração diz uma coisa. Por medo, insegurança, ou outra incapacidade qualquer, não temos a coragem suficiente para seguir o que ela está nos dizendo. Então, encontramos uma desculpa racional para justificar a nossa surdez emocional. É mais ou menos o sentido da fábula da Raposa e das Uvas. (Essa é do tempo do seu pai e da sua mãe, peça a eles para te contarem!!).

A racionalização, por exemplo, acontece quando uma pessoa que tem a didática como talento pensa assim: “Eu até que gosto de dar aulas, mas eu não vou fazer Letras por que professor ganha tão pouco. Vou ficar estudando quatro anos para depois ganhar salário mínimo. Nem a pau!” Um exemplo mais geral, é quando a pessoa sabe intimamente que seu talento é para uma determinada profissão e pensa:” É, eu sei que vou me dar bem se eu seguir esta carreira, mas ainda não estou suficientemente preparado para assumir esta responsabilidade. Vou estudar primeiro isso, depois aquilo, depois aquilo outro e depois sim, vou estar preparado para cursar aquela faculdade”. Cuidado em não cair nessa armadilha do medo e da insegurança. Conheço pessoas que já estão com quase setenta anos e estão se preparando até hoje para assumir o seu talento.

Ruído II

Outro ruído que também precisa ser eliminado, é a auto-estima baixa. Ela se manifesta quando você pensa que não vai conseguir ter sucesso na profissão que o seu talento está apontando, pois “existem pessoas mais capacitadas , mais inteligentes do que eu trabalhando nessa profissão e não estão se dando bem. Comigo não vai ser diferente.” Não caia nessa. A causa de um fracasso profissional está quase sempre no fato das pessoas pensarem dessa forma. Além do mais, você não sabe o que, de fato, está acontecendo na vida daquele profissional que você está usando como referência para sua avaliação. Pode ser um fracasso do seu ponto de vista apenas. O sucesso profissional, na maioria da vezes, só pode ser avaliado pela própria pessoa, e com critérios muito subjetivos, como felicidade, realização pessoal, prazer. Uma mansão ou um carro do ano podem não ser sinônimos de uma vida profissional bem sucedida.

Ruído III

O atendimento às expectativas dos outros , quer sejam às dos pais ou de amigos é outro ruído nocivo. Alguns pais, por não terem realizado seus sonhos, têm a estranha tendência de querer que seus filhos façam aquilo que eles não conseguiram fazer. Não que seja uma atitude consciente, com a intenção de se beneficiar à custa da felicidade do filho. Os próprios pais não sabem o que estão fazendo. Acreditam mesmo que estão querendo o melhor para seus filhos. E o pior, é que, como essa influência acontece numa idade muita frágil, quando ainda não temos capacidade de defender nossos próprios interesses, acabamos acreditando nessa mentira e incorporamos isso nas nossas crenças inquestionáveis, até que um dia descobrimos que as coisas não precisam ser exatamente daquela forma.

Ruído IV

Outro ruído poderoso, principalmente para quem vive nesta sociedade de consumo, é a vontade de ganhar dinheiro. Nada de errado em querer ganhar dinheiro, afinal, o dinheiro é uma energia materializada em pequenos pedaços de papel (agora esta reencarnando em cartões de crédito!) que abre muitas portas para o nosso crescimento, tanto material como espiritual.

O ruído acontece quando colocamos essa vontade em primeiro lugar, antes de qualquer outro motivo, achando que ganhando dinheiro a felicidade futura estará garantida. Sabemos que isso não é verdade. Quanta gente rica e famosa que você conhece que vive se envolvendo com drogas, trocando de mulher ou marido como se troca de roupa, se envolvendo com a polícia e escândalos de todo tipo? Será que eles são realmente felizes com todo o dinheiro que têm? É uma questão a ser avaliada.

O dinheiro é uma conseqüência natural para quem trabalha com o seu próprio talento, o que torna o trabalho alegre, agradável e altamente produtivo. O dinheiro que vem dessa fonte é sempre suficiente para vivermos com conforto e bem estar. E você pode ter certeza: o conforto e o bem estar, na medida certa e equilibrada, não custam muito caro.

Ruído V

Conceitos equivocados também podem ser ruídos prejudiciais, tipo: Profissão própria para mulher e profissão própria para homem. Não existe isso! Hoje em dia sexo não é, e nem pode ser mais um fator determinante. Já se foi o tempo. Antigamente, mas bem antigamente mesmo, as pessoas tinham esta visão. Nos tempos atuais vemos profissionais de ambos os sexos, atuando nas mais diversas áreas. Mulheres engenheiras, médicas, piloto de corridas, taxistas, algumas muito competentes naquilo que fazem. Do outro lado, temos homens enfermeiros, assistentes sociais, bailarinos, professores primários, cozinheiros, alguns também muito bons de serviço. O medo de serem rotulados não foi um obstáculo para essas pessoas que acreditaram no seu talento e resolveram pagar o preço; e se deram bem.

Ruído VI

Por fim a desconsideração ecológica do resultado de seu trabalho pode ser um ruído que não deve ser desconsiderado. E uma boa pergunta para se fazer, é: “Esse trabalho que estou querendo para mim, vai ser bom só para mim ou vai ser bom também para os outros. Vai contribuir somente para o meu bem estar ou vai ser um fator positivo para o ambiente no qual eu vivo? Como estarei contribuindo para a sociedade da qual faço parte”? A percepção da validade ecológica daquilo que você pretende fazer com o seu trabalho, dá ânimo, disposição, dá energia à sua vontade. O sucesso, ao respeitar esta perspectiva, é uma conseqüência natural.

E daí ?

“Tudo bem. Entendi tudo que você me disse, concordo com quase tudo, sei da importância de alguém valorizar o seu talento na escolha de uma profissão, mas como eu vou saber qual é o meu talento?”

Também não é uma coisa tão difícil como parece à primeira vista. É muito mais fácil do que você pensa.

Quando falamos de talento, a pessoa sempre imagina os grandes talentos (se é que existe um talento maior que o outro!!), ou aqueles que levam as pessoas a terem um grande reconhecimento público, como cantores, atores, artistas de sucesso , de um modo geral.

Essas são formas também de se identificar um talento em expressão, mas nem todo talento precisa levar você às capas de revistas e entrevistas na televisão. Se você pensa assim, sua crença sobre talento pode ser um forte fator limitante. Talvez você esteja confundindo fama, com sucesso por causa de um talento.

Um bom professor que empolga seus alunos com suas aulas, daquelas que ninguém quer perder e das quais não se esquece com facilidade, é uma pessoa talentosa e tem sucesso como professor e nem por isso no dia seguinte ele vai ser manchete de jornal.

Um terapeuta que realmente consegue perceber a alma de seu cliente e tocar no ponto certo, impulsionando o crescimento das pessoas de uma forma efetiva, também é uma pessoa talentosa em ação. Ela também não vai ser convidada para participar do programa da Hebe Camargo por causa disso. Claro que existem as exceções mas, como toda exceção, não deve ser usada como referência geral.

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Como descubro então o meu talento? Simples: O que você sabe fazer bem feito e gosta de fazer ? O que você faz com tanto prazer, que quando está fazendo não vê o tempo passar? Isso é fácil, você pode perceber.

“Mas eu não sei fazer nada bem feito”, você pode estar pensando. Será verdade? Ou você está sendo muito rigoroso com você mesmo? Você não sabe fazer nada bem feito? Você está olhando na direção certa?

Se isso for verdade, o que eu não acredito que seja, a simples consciência de que não sabe fazer nada certo, já está lhe mostrando uma coisa certíssima: você sabe fazer uma avaliação Pode não estar chegando na conclusão certa, mas sabe juntar dados e fazer uma avaliação. A facilidade para fazer avaliações pode fazer parte de um talento muito maior e desconhecido ainda por você, e esta capacidade é imprescindível em, praticamente, qualquer profissão que você escolher. Já é um bom começo; não acha?

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Mais uma: Se você observar todas as suas atividades corriqueiras com consideração e atenção, pode ser que você perceba que é muito bom em coisas, aparentemente, sem importância como, por exemplo, em jogos que envolvam raciocínio com números, como o jogo de cartas. Também é uma outra pista para identificar um possível talento: lidar com raciocínio abstrato, memória, números. Quem sabe sua área profissional será a de ciências exatas?

Se você pratica um esporte com desempenho acima da média, de uma forma que é reconhecida e admira por todos que o vêm em ação, quem sabe sua profissão não poderia estar nessa área, depois de um bom trabalho de aprimoramento técnico?

Uma outra forma de identificar ou confirmar o seu talento, pode ser ouvindo a opinião de outras pessoas. Mas cuidado, pode existir muita casca de banana nesse caminho ! Existem opiniões e opiniões. Algumas são claramente bajuladoras e devem ser evitadas e você pode perceber, no ato, a qualidade dessas opiniões.

As opiniões que partem de seus pais ou professores, quando essas pessoas ocupam, de fato, o lugar que lhes compete, podem ser decisivas para você na reta final de sua decisão.

Finalmente um outro bom recurso para lhe auxiliar nesta hora, é fazer um teste vocacional com um profissional competente. Esses testes não são conclusivos, mas são muito úteis quando você já sabe mais ou menos o que está querendo.

Os finalmente

Como você vê, são pequenas pistas que se bem trabalhadas podem abrir alguns horizontes, mas que nem sempre são consideradas importantes, por não fazer parte do sistema de avaliação, dito aceitável, pela sociedade consumista em que vivemos e que só aposta nas possibilidades, supostamente, concretas. Querer ser um atleta, um artista, quase sempre é rotulado como sonho de juventude, “viagem”, crise de “aborrecente”, que logo passa. Não vá nessa conversa.

O importante também é que você perceba que não está sozinho. Sempre existirá alguma coisa ou alguém para lhe auxiliar no caminho.

Portanto, meu amigo, se existe uma orientação final em tudo isto, pode ser esta: VALORIZE O SEU TALENTO COLOCANDO-O EM SINTONIA COM O SEU CORAÇÃO E O SEU CÉREBRO E CAMINHE CONFIANTE. O RESULTADO É ALTAMENTE PREVISÍVEL.

Quem sabe, lá na frente, você vai se encontrar com aquela gatinha que abandonou o curso de arquitetura e foi ser bailarina no programa do Faustão. Ou com o gatinho que largou a medicina para ser guitarrista do Skank, depois de terem lido o que acabei de escrever?

PS – Não se esqueça de me convidar para a festa de formatura!!!!!!!!!!

 

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